A Forca


Eu quero uma corda forte
que resista aos meus 53 quilos
e que seja bem macia
pra não marcar o meu corpo...
                Eu quero um galho grosso
                perpendicular ao tronco e firme
                e entre flores, galhos e folhas
                oscilar meus pensamentos, a vida...
                              Eu quero voltar à pureza infantil
                              à liberdade sem compromissos
                              quero com a corda e o galho
                              construir um balanço singelo
                              para enforcar o adulto que incorporei.

(S/1977)

O NEGRO GATO FÉLIX


Chegou como um negrinho ranhento de rua
Acuado na grade do jardim da entrada do prédio
Talvez  achando que não havia mais remédio
Pra sina de abandono de quem é gato preto

Ao ver de vez suas sete vidas ameaçadas
Com suas grandes orelhas pontudas oriçadas
E seus arregalados olhos amarelos assustados
Parecia não estar entendo direito o seu destino:
- Em que corpo e em que mundo foi nascer?

Qual nada, foi acolhido de imediato no peito
Início do cerimonial grupal pra um nome receber
E, já como Félix, se apropriou do pequeno território
No apartamento de uma família do terceiro andar
Com janelas pra mirar de longe a rua de onde veio
Vista agora, com seus perigos,  de um mirante seguro.

Porém gato também não quer só casa e comida
Quer dormir, diversão, fazer arte, carinho e sexo
Nem que, pra isso,  tenha que voar pela janela...
Mas como gato não voa, só enxerga invisíveis voadores
Foi  preciso castrar-lhe as  excitadas asas suicidas
E tornar o Félix um sereno meditante monge budista.
Contudo, seguiu sem resistir à tentação da carne crua
Pela qual Félix era yogui: ficava de pé em duas patas
E seguiu sem abrir mão do carinhoso jogo de sedução
Com sua virgem gata Pitchuca, aos amassos e lambeção.

Dizer que só faltava falar, é preconceituoso
Pois que de fato o negro Félix falava tudo
Só não com a voz em falsete da  dublagem
Com que traduzíamos seus significantes miados
Como  ventrículos oralizando os seus pedidos.

Depois da fase de subir pelos armários de parede
E de fazer de bola a então “tartaruguinha” Rafaela
O Negro Gato Félix foi envelhecendo sobre o sofá
Nos observando no entra e sai de todos os dias
Como que criticando a insana correria humana
Até, idoso e doente,  buscar reclusão debaixo da cama
Pra regurgitar a vida com os seus bigodes brancos
E ir morrer, quem diria gato de rua, numa clínica chic
Nos ensinando a elaborar o luto por um ser da família
E a conviver com a  sua ausência em silenciosas lembranças.

(M/2012)

A Sustentável Leveza do Ser


Viver a vida curtidamente
sem pressa de querer e desejar
mais do que pode realizar
o braço e o bolso
e a perna alcançar

                    Curtir a vida vividamente
                    De modo que a perna e o braço
                    e o bolso possam realizar

                                  Viver a vida curtida na mente
                                  sem depender do bolso para andar
                                  Viver a vida na pernada vivamente
                                  Tal que o braço possa com leveza sustentar.

(E/2008)