PAISAGEM



É a mais linda estampa
sua cabeleira vermelha
brilhando no sol
no verde do mar
e seus grandes olhos negros
quando iluminam o sorriso
vindo do fundo da alma
pra seus lábios beijar.

(P/1996)

PERDAS, DANOS & GANHOS

No inventário de cada fase da vida
(Quantas fases ainda terei que inventariar? )
remexemos no baú de todas as feridas
e, na dor do luto, uma a uma fazemos sangrar
buscando na partilha dos bens a culpa dos males
computando nas perdas nossos desenganos
e as mágoas, cujos danos, por muitos anos vamos chorar.

Na morte litigiosa do amor, o balanço é de falência
como em toda morte, o sentimento é de perda
de investimento afetivo a fundo perdido
de desfalque nas economias de nossas carências
inflacionado com o estigma social do fracasso
e sua queda de poder doativo, orgulho ferido
fragilizado, tem o cansaço, status de desiludido.


                   Mas também na Bolsa da Vida, nossas ações
                   após a concordata do período de baixa
                   passam por um saneamento e sobem de cotação
                   no pregão da ciranda filosófica das emoções
                   restituindo lucidez pra auditoria da razão.

                   A sociedade de um casal, produtivo e sentimental
                  deixa saldos, além das perdas e danos
                  crescimento no mútuo conhecimento, respeito, amizade
                  e o crédito de ter havido no passado alguma felicidade
                 e, sobretudo, o lucro de ter-se construído
                 o patrimônio de uma nova vida numa criança
                 e de ter havido capital afetivo suficiente
                 para assumir tamanha dívida de longo prazo:
                 Fiança pro Recomeçar, poupança pro  Começar de Novo!
                            (K/1993)

Mistério Profundo

No meu violão
    há um mistério profundo
      de psicótica neurose
         de nem Freud explicar
            quando estou triste
                ele chora tão fundo
                   faz nos seus sons
                      a minha mágoa escoar
                         quando estou vivo
                             ele berra tão alto
                                 que no Planalto
                                     todos faz acordar
                                       quando estou  morto
                                          ele reza tão feio
                                            que não há burguês anseio
                                              que não queira arrasar.

No meu violão
  há um mistério profundo
    de poética mensagem
      para o povo cantar
        quando solta a voz
          ele é tão filho do mundo
           que qualquer fronteira
             o afronta a lutar
               quando estou livre
                 ele canta tão belo
                  que no castelo
                    todos faz assombrar
                     quando estou preso
                       ele ruge tão bravo
                         que não há escravo
                           que não queira se libertar.

(QE/1980)

CONDOR DA VELHICITE

No limiar do portal dos sexagenários
A dificuldade maior é conviver com a dor
Não mais a do peso do mundo nos ombros
(Que é, conforme o Drummond, uma mão de criança)
E sim suportar a dor crônica da velhice
Às vésperas dos medicamentos de uso contínuo
(Para bursites, tendinites, artrites e outras “velhicites”)
Que marca o início do definitivo vôo do condor
Do alto da imponente cordilheira Ígnea e metamórfica
Para o raso da planície sedimentar da decrepitude.

(M/2012)