ARTESÃO DE POEMAS

Desde a mais teen idade pratico
Talvez por vício adquirido ou hábito
Provocado pelo intenso uso continuado
Ou por ter me socorrido em muletas
Pra decifrar as garatujas dos adultos
Talvez por pseudo ideologia militante
De quem quer fazer mas não prosa
Talvez pra povoar a solidão sozinho
Colhendo depoimentos de si próprio
Pra discernir os vultos que a vista
No escuro tanto amedrontam a visão
E assim ser meu (auto)psicanalista
Com integral dedicação ao (im)paciente
                            Desde a mais teen idade pratico
                            Como quem faz prosa em versos
                            Garimpando em vão raros minérios
                            Pra na bateia do poema captar a poesia
                            E desvendar por magia os mistérios
                            Da vida ardendo no cotidiano
                            Ferida de morte pela rima rica
                            E revelar a alegria da beleza escondida
                                                     Desde a mais teen idade pratico
                                                    O artesanato de escrever poemas
                                                    A duras penas.
                                                                                             M/2012

O CÁRCERE PRIVADO DO ENIGMA

Dentro de mim vive o ser primitivo
Descrito no Mito da Caverna por Platão
E cogitado por Descartes como existente por pensar
Que Kant o ilhou no cárcere do pensamento
Sem acesso ao si das coisas ao seu redor além do imaginar
E que a ciência uniformizou  como sujeito-cidadão.
Dentro de mim ainda vive este ser medonho
Mantido em secreto calabouço escuro
Devido a sua presumível feiúra assustadora
E temível monstruosidade devastadora de sonhos
Que Freud o localizou agonizante na mente
Como um náufrago se debatendo no inconsciente
E que Jung percebeu este universal ser primitivo
Como sendo um arquétipo do inconsciente coletivo
Feito a hegeliana fenomenologia do espírito em evolução.

Contudo, dentro de mim, continua enjaulada a fera
Com a qual o máximo de aproximação que consigo
É perscrutar seus humores e inquietações ruidosas
Manifestadas por palpitações ofegantes e guturais suspiros
Nas sensações depressivas de sufoco e vazio no peito
Que de súbito faz sofrido até quando meramente  respiro
Sem se revelar onde e como se abre esta privada prisão.

Meditar, romper com o lacaniano estádio do espelho
Que seqüestrou o meu ser essencial pela minha imagem
Tem sido o meu martelo nietzscheano de quebrar a racionalidade
Este novo ídolo feito do preconceito contra o misticismo dos antigos 
E meu modo de ainda tentar estabelecer um sinistro contato direto interior
Com este ser soterrado nos escombros culturais da pós-modernidade
Enquanto haja vida fluindo entre o corpo que aprisiona, à sua imagem
E a alma prisioneira milenar, que feita enigma não se deixa desvendar:
Dentro de mim penso que vive um eu, mas talvez seja pura imaginação.


                                                                                              E/2008

O CAPITAL


O tempo é a moeda capital
da vida mundana das pessoas
é um tesouro secreto ausente
pois ninguém sabe ao certo
o quanto dispõe no baú aberto
E a arte de viver consiste
em do tempo ser bom gerente
investi-lo com riscos criativos
gerando mercado para os sonhos
sem poupá-lo no especulativo
lado debaixo do colchão, gastar
sem stress, sem tédio e com paixão.

P/1996

POÇO DE LUZ

Acende-se uma luz no escuro do poço
lá no fundo do escuro de um dos becos
onde um poço de medos assombra todos os becos
neste poço de becos de escuros medos do meu peito
A luz será a luz dos sonhados Novos Tempos?
Ou será a luz da vela de mais um aniversário
do Velho Tempo feito de poços e becos escuros?
A luz da luz mais fugaz é luz
e só com luz se ilumina
o escuro do desconhecido
as saídas dos becos
os mecanismos dos limos dos poços
e a libertação dos medos.
Viva a Luz!

                                                                                                           (K/1985)

DAS TESES

Não gosto de teses prontas
nem gosto de as completar
eu gosto é de tecer teses
e sobre os temas variar
Eu tenho teses de tudo
pois em tudo meditei
mas não quero provar nada
com as teses que levantei
Pensador que pensa rápido
não sabe meditar
o essencial pra boa tese
é meditar rápido e pensar
Erro que não me permito
é o de minhas teses defender
tese que não se sustente
por si só deve morrer.

                                                                          S/1981

RETROPICALISMO

Quando eu soltar as amarras
E sair singrando
Pela vida
Sem horários
Sem destino
No caminho imenso
Do tempo
Que me restar...
Vou finalmente
Caminhar contra o vento
Com lenço
E com documento
Nos bolsos e nas mãos
Pra mostrar
Que ainda estou a caminhar
Contra o vento
E com documento
Pra comprovar.

                        E/2009

CÃES QUE LADRAM


Um debate político
É como uma briga de cães
Ferozes pelo osso do poder
Osso que daria uma boa sopa
Para todos os animais da floresta
Se não fossem os cães famintos
De poder para ladrar...os cães ladrões.

M/2012

SIGNIFICAÇÃO DE SIGNOS















Tudo tem a sua significância
Mesmo o que é considerado insignificante
É extremamente significativo
Para a hierarquia dos significados
Em nossos valores de significações
Do que importa e o que nada significa
Para o significado das emoções significativas.

E/2008

AS FLORES DE PARIS















Agora eu já sei
Das flores que nascem do mal
Foi Baudelaire
Que teve que me explicar
Que é do mal
Que nasce o bem, amor.
Agora eu já sei
Que  também é do bem
Que nasce o mal, amor
No jardim fatal
Do Inferno de  Rimbaud.
Porém, sou normal...
Não sou o filho do bem
Tampouco o pai do mal
Transito nestes extremos
Com a boa maldade natural.

                                                      I/2004

TERCEIRIDADE

Eu velho e minha velha
de mãos dadas pelas ruas
almas gêmeas encontradas
vivendo em paz as rugas
Mas até lá há...
muita estrada e muito chão
muito ainda o que penar
e aprender com o coração.   
                                            Eu e minha velha, velhos
                                            Nem só eu
                                            Nem só você
                                            Eu e minha velha, velhos
                                            Juntos com muito prazer
                                            Eu e minha velha, velhos
                                           Ó que bom irá ser!
                                           Se velhos, eu e minha velha
                                           Sem um do outro se perder.

                                                                                       P/1997   

TRATADO DE ÉTICA

No meu Tratado
não tem fome
não tem guerra
não tem ódio
nem favela
não tem choro
e só tem vela
pra se velejar.

O meu Tratado
na verdade não é nada
caído em mãos erradas
sem poder de legislar.

Com o meu Tratado
o inferno está lotado
cheio de boa intenção
e o país está arruinado
e o mundo sem solução.

O meu Tratado
é coletiva ilusão.

P/1996

RUIVA AURORA

Viver, sempre surpreende
ao navegante errante
que pensa que da terra
do ar e do mar já conhece tudo.
O mundo se renova a cada instante
e se revela em  novas velas no horizonte.
Pra vida adentro, pro mundo afora
aprisionei a luz intensa desta Ruiva Aurora
e naveguei por mares nunca dantes navegados
fiz-me amante das alquimias: álibis forjados
e sustentei toda a leveza do ser amado.

K/1993

TROVA DOS SEM TERRAS

Estou chegando com a viola
E com a garganta pra cantar
Quem topar um desafio
Pegue a sanfona e vem pelear
Pois nas trovas sou de brio
Abato quem duvidar
 Muito bem seu foratateiro
Estou aqui pra te ensinar
Como o povo desta terra
A sanfona sabe usar
E não tememos violeiro
Que só saiba gargantear
Que eu só saiba gargantear
É uma calúnia meu amigo
Vou então me apresentar
Pra haver respeito comigo
Sou um homem popular
Um vereador, um homem lido
 Me desculpe seu doutor
Se ofendi vossa excelência
Mas pra um bom trovador
Não existem reverências
Cá em nosso acampamento
Lutamos pela sobrevivência
 Pois então que saibam todos
Que estou aqui pra ajudar
Em tudo o que for justo
Podem comigo contar
Mas sem passo muito largo
Pro fundilho não rasgar
Pro fundilho não rasgar
Não é preciso tanto esforço
Tal é o jeito que andamos
Maltrapilhos, puro osso
Pro Doutor nos ajudar
Tem é que sofrer conosco
 Sofro sem damagogia
A dor do povo que me elegeu
Mas não façam uma orgia
Com a desgraça que se abateu
E quem quiser tirar do povo
Saiba que o povo sou eu!
Mas se és povo de fato
Deve lhe ferir também
Ver um chão sofrer mal trato
E uma nação não ter vintém
Ver tantos colonos sem terras
E tantas terras sem ninguém
Tantas terras sem ninguém
É o que trago em minha manga
Para oferecer pra todos
Quase de graça, feito changa
Só não aceitam os tolos
Estes devem puxar canga
Preferimos puxar canga
Já posso ir lhe adiantando
Do que sair do Rio Grande
E noutros prados andar rolando
Pois não há changa que abrande
A saudade guapa incendiando
Preferem saudade ou fome?
É a questão que têm agora
Mato Grosso é Brasil
E povoá-lo é o que se implora
A todo o bom brasileiro
Que ame, honre-o ou vá-se embora!
É por amor que temos honra
Para aturar tanta miséria
Nossos braços explorados
Querem um pouco desta féria
Mato Grosso é Brasil
Mas o abandono é coisa séria
Não terá abandono, é certo
Temos um bom plano pronto
Vamos conferir de perto
Nossa força vale tanto
Terão uma cooperativa
Que os protegerá feito um santo
Parece mais cobra mandada
O nosso amigo vereador
Rastejando entre as palavras
Arma o bote traidor
Mas quem tem medo de cobra?
Sou gaúcho lavrador!
Não poso crer que um lavrador
Fique aqui em Nonoai, no acampamento
Vendo de braços cruzados
Sua família ao relento
Mas quem for trabalhador
Venha comigo, que eu agüento!
 Vamos então explicar
O Doutor não entendeu nada
Nós queremos trabalhar
No arado e na enxada
Só não vamos sustentar
Mais essa sua cambada!
Vou então me despedindo
Muito triste meus patrícios
Por ver forças ocultas
Orientando o vosso ofício
Mas pensem na minha proposta
Não tornem vãos seus sacrifícios
Não será vã nossa luta
Mesmo sem haver a vitória
Lutamos pelo direito à terra
Nossa causa é a nossa glória
E não faltarão seguidores
Para continuarem a nossa história.


QO/1982

Sonhos Abortados

Sonho bom
Se sonha até o fim
Sem acordar
Não fica recordação
São como vidas passadas...
               Sonho ruim, em que se chora
               É como o viver de agora
               Se acorda no meio da ilusão
               Sobressaltado pelo feio
               Não se consegue esquecer
               Nem dormir de novo de receio
               De voltar pro meio do mesmo sofrer
                                   Para a mente os reais sonhos sonhados
                                   São estes sonhos abortados
                                   Que são a vida dormida da qual acordamos
                                   Em fuga, com medo e assustados
                                   Não os feitos metáforas de desejos
                                   Que diz sonhar acordada toda a gente
                                   Nem os bons sonhos inconscientes
                                  Que ao amanhecer nem são lembrados.

E/2008

Metafísica

Sei que eu sou eu
Pelo corpo que tenho
Mas sei que o eu que sou
Não é o meu corpo...
O que é o meu eu?

Sei que eu sou eu
Pelo o que eu penso
Pois se penso, eu existo
Mas qual é o meu reino
Animal e/ou espiritual?

Que rei sou eu?

                                   I/2004

Origem das Montanhas

Tenho a origem das montanhas
dos Andes e do Himalaia
sou feito da erosão lenta do tempo
sobre os derrames do vulcão
que ativo trago por dentro
sou feito de falhas e deslizamentos
em grandes vales abertos por geleiras
sou feito de blocos continentais que flutuam
e colidem para o meu crescimento.

P/1996

MATERIALISMO HIPOTÉTICO

Posso prosperar, aumentar de volume
frequentar poderosos banquetes
saborear eróticos charutos
e ainda assim serei eu
até morrer de sequestro
com a família negando-se a pagar o resgate
com o meu próprio dinheiro acumulado.
                        Como posso definhar, murchar de aids
                        frequentar o submundo dos preconceitos
                        ansiar milagrosas medicações
                        e ainda assim serei eu
                        até morrer de indigência
                       sem herança suficiente para mobilizar a família
                       a correr o risco de contágio no velório.
                                 Mas e depois de morrer, deixarei de ser eu?
                                 Em que parte de mim será o meu último refúgio?
                                 Na pele, nos ossos ou nos neurônios?
                                 Pela sensibilidade, deve ser na pele
                                 Pelo pensar, no fim dos  neurônios.
                                 Mas se fóssil, meus ossos serão eu?

K/1993

LAR, DOCE LAR

Quem não tem costas largas
é porque nunca remou
quem não sabe remar
neste mar se extraviou
         Quantas tempestades
         nossa canoa resistiu?
         Quantas atrocidades?
         Quantos sapos se engoliu?
                Depois da invenção da bússola
                é mais fácil navegar
                nesta longa escuridão
                deste traiçoeiro mar
                     Ninguém pode se iludir
                    de que lado está o Norte
                    o ponteiro sem mentir
                    sentencia a nossa sorte:
                         Somos todos marinheiros
                         em busca do mesmo cais
                         estamos todos sem dinheiro
                         Oh! Dinheiro onde estás?
                              Que piratas, que porões
                              que navio te sequestrou
                              que justiceiros, que ladrões
                              que herói te embolsou?
                                    Em terra Tupiniquim
                                   quem tem um olho é rei
                                   pra quem reza em latim
                                   Macunaima incorporei:
                                          Seremos sempre tropicais
                                          malandros e vadios
                                         queremos sempre carnavais
                                         mas povo algum é imbecil
                                              Nem todos são tão cegos
                                              a ponto de não ouvir
                                              e apesar de analfabetos
                                              somos vivos pra sentir
                                              que quando a barriga ronca
                                              é hora de despertar
                                              pra gritar, pra meter bronca
                                              e se preciso trabalhar
                                                    Trabalhar pelo direito
                                                   de não viver para trabalhar
                                                   ressuscitar o conceito
                                                   que o Brazil é o nosso lar
                                                          Lar, doce lar: Quem diria?
                                                          Lar, doce lar: nosso um dia?
                                                          Lar, doce lar: Doce utopia!

                                                   QO/1981

GERAÇÕES SEM CONFLITOS?


















Dizem que a geração Y do You Tube
São adolescentes de bem com a família
Dedicados a uma identidade profissional
Que acreditam que vencerão facilmente
E que não curtem política...

Que a geração Z, até 12 anos em 2012
Filhos de berços tecnológicos em 3D
São levados pela mão do papai
Embaixo da mini-saia da mamãe
Pra quem o futuro é o game das férias escolares...

A geração W, de dobre Velho
De pais, avós e bisavós de Ys e  de Zs
Marcados pelas rugas de tempos aflitos
Não entendem tanta falta de conflitos...

Será o novo ciclo dos Maias que começou
E o fim do Velho Mundo, da era que acabou hoje?
21/12/2012

DENGOSOS ALADOS


















Sanitariamente, poesia à parte
Se em termos de saúde pública
As pombas urbanas são como ratos voadores
Os mosquitos contágio-transmissores
São como hipodérmicos aparelhos de injeção alados
Que com a agulha de seus inocentes bicos finos
Picam nos sadios o sangue dos contaminados
Provocando epidemias como frios assassinos
Feito o Aedes aegypti com a dengue homorrágica
Famoso da Ásia aos trópicos da África e América
Fez da proliferação do arbovirus a sua arma do crime
Numa mundial tragédia modernamente homérica
De pandemia da dengue sem dengo em cruel regime.

E/2008

INVERNADA

Sem melodrama
Visto meu velho pijama
E me encolho
No quentinho da minha cama
Pra ver a neve...
Sem reclamar
Deste  frio de encarangar
Que faz aqui no Sul do Mundo
Onde nasci: é o meu lugar!


(M/2013)

Falso Brilhante


Com alma primitiva culturizada

tenho a rudeza do diamante bruto

sem assimilar os trejeitos da socyte

vou tropeçando pelos salões

até virar seixo rolado

em um anel de brilhante lapidado

que não puxa fio da meia de ninguém.


(P/1996)

Mercado Público: Evolução das Espécies


Poema de 1996, quando foi manchete de jornal um grupo de menores que moravam num bueiro em frente ao Mercado Público, às vésperas dele ganhar a atual cobertura metálica (parte que não queimou no incêndio), e espantar os gatos dos seus telhados:
Pelos bueiros escoam crianças
pivetes do submundo literal
enquanto no mercado público
os ratos foragidos dos bueiros
vêem os gatos, seus predadores naturais
desenvolvendo adaptação na busca do sol
diante de uma moderna cobertura evoluída
que devolverá os altos-do-mercado
ao convívio dos homens...
Por sua vez, as pombas
que moram do outro lado da rua
em equilíbrio com o mercado e seus cereais
comem pipocas nas mãos das crianças
e estão voando e cagando na cabeça dos homens.

CAPACHO VELHO

Como um peludo tapete branco
De pele de urso com  cabeça
Estendido sob os pés do poder perverso
Do capitalismo politicamente incorreto
Que faz riquezas cavando buracos
Na camada de ozônio do planeta
Fico escutando as conversações e acordos
Das cúpulas das poderosas nações desunidas
Sobre a proteção da natureza
Do meio ambiente e da pobreza
Sob a névoa da fumaça dos charutos transgênicos
Expelidas das chaminés poluentes de suas narinas...
 Imobilizado, não consigo puxar-lhes o tapete
Nem um abraço de urso, nem um urro forte
Nada mais tenho para os ameaçar
Sou mais um velho capacho, sem esperança
De fazer ou ver o mundo melhorar.

                                                                       (I/2007)

PAGANISMO

Conforme a filosofia pré-socrática
De vários séculos antes de Cristo
Tudo está em movimento
Nada é, dizia Heráclito
Tudo está em permanente processo
De vir a ser
Eu, você, a natureza e o universo
Somos simultâneas fases heterogêneas
Do fluxo da existência
Que toma consciência de que está vindo a ser
(sabe-se lá o quê e quais são os nossos desígnios)
E nos percebemos como o espírito do fenômeno todo
Como parte do todo, do material e do imaterial
Como parte do uno...de Deus?
Mas como é cristã esta filosofia pagã!
(Ou será o contrário?!?)

                                                                       (I/2005)

ALMÁRIO SECRETO



Não quero parecer paranóico
Mas esta truculenta repressão
Aos protestos dos estudantes
Como mera molecagem e baderna
Contra o aumento das passagens
E às obras com derrubadas de árvores
Faz a gente pensar na arrogância
Dos militares auto-anistiados na caserna
Por seus crimes contra a humanidade
E que continuam ensinando como verdade
Que foi uma revolução o golpe de estado
E que se orgulham de seus almários secretos
Com as almas ainda prisioneiras 
                                        dos desaparecidos.

Não quero ser paranóico...nem foragido
Mas imaginem se as tropas com botinas voltam
Arrombando nossas portas e gavetas íntimas
E encontram nossas vidas de bandeja no Facebook
Como confissões espontâneas da  nossa subversão?...
Não quero, mas a paranóia de ser mais um no almário
Cresceu com a notícia que a CIA grava a nossa comunicação.

(M/2013)

Cidade-penal

Nada dói mais que uma ponte-móvel
como a do estuário do Guaíba
limitando o calado de acesso
entre a língua e o céu da boca
no canal entre serras dentárias
por onde a cidade nos engole
com nossos medos, versos e sonhos
feito um luminoso buraco-negro
cujo ânus nos defecará digeridos
                                                      por indulto, em nosso cemitério preferido.

(P/1996)

ARROIO DILÚVIO

Quem não viu uma garça branca
no riacho da Ipiranga
não acredita que a vida
possa ser sabor pitanga.
O vôo urbano da garça branca
mantém a mesma beleza plástica
e tem maior simbolismo libertário.
É feito um sabor de pitanga enlatada
com aromatizantes e conservantes
                                                         preservado no fundo do armário.
(K/1993)

VIRAÇÃO















Quando vou virar a mesa?
Toda  noite me pergunto
e não encontro solução.
Quando vou virar as costas
pra quem gosta de explorar
meu pobre e tolo coração?
Quando vou virar humano
e deixar de ser bonzinho
de assumir sempre sozinho
tudo como obrigação?
Quando vou virar em mesmo
e deixar de me doar
deixar de viver a esmo
ser aquilo que sonhar
ser eu?...
Quando vou virar em mim?
Ser eu?!...

(FE/1981)

O MITO DA CAVERNA



Não sou eu que penso
Meus pensamentos efervescentes
É que me pensam, são o vilão
E me cansam de tentar escapar
Somos ficções de nossas mentes
Cativos na caverna de Platão
No mundo criado pelo nosso olhar.
(M/2012)

O BROTO DA MAÇÃ MORDIDA

A maçã verde que Adão mordeu com prazer
Levou milênios encruada para amadurecer
Até cair de madura na cabeça do Newton
(Que a levitação dos astros com ela entendeu)
Para só depois de vários séculos reflorescer
Gravando em vinil as canções dos Beatles
(Que despertaram na juventude a poesia de viver)
E após décadas frutificar, como um virtual prêmio
No paraíso digital das gerações do terceiro milênio
Em lap-tops e iPhones com a logomarca da Apple mordida
Frutos sensíveis ao toque humano na busca da esperança perdida
E que ostentam nos ramos virtuais da tela da web o saber do gênio
De um oráculo onipresente, um Google brotado da fruta apodrecida
Que inaugura o novíssimo testamento bíblico, filosófico e poético da vida.
                                    (E/2008)

CINQUENTENÁRIO


Não sou poeta o suficiente
pra dizer que chego aos cinqüenta
com os problemas sequer colocados
Mas de resolvido mesmo
só tenho  esta consciência realística
a caro custo adquirida
de que sou do tamanho que sou
que posso sempre crescer, mas não muito
e, principalmente, que este é um bom tamanho
que me realiza, não todo, mas o bastante
pois permite o meu movimento moto-contínuo
de sempre perseguir novos e maiores prazeres
de sempre retirar das pequenas  alegrias a energia
para sempre ter a energia de construir no dia-a-dia
possibilidades embriãs de momentos felizes
nem sempre realizados, mas sempre possíveis
E assim manter sempre o encantamento pela existência...
                 Mas pelo pouco de poeta que tenho
                 aproveito para, pelo menos, colocar o problema
                de que eu não tinha muitas pessoas a quem convidar
                para a festa do meu cinqüentenário.
               No fundo continuei sendo a mesma alma solitária,
               agora com meio século de consciência desta realidade...
                                  But, in the after day,
                                  no primeiro dia do resto da minha vida,
                                 ultrapassada a muralha que divide a existência
                                 em duas metades geralmente desiguais
                                 a visibilidade da finitude do horizonte cinqüentão
                                 tornou-se estarrecedoramente convincente:
                                Haja filosofia para iluminar a chama de vida
                                No túnel do seu derradeiro sopro!
                                                                                     (I/2004)

Desassossego


Eu queria tanto

sossegar meu pito

sossegar meu pranto

sossegar meu peito

sossegar...

Mas não há jeito.

                              (P/1996)

MANIA NACIONAL















Com esta mania nacional
de jogarmos conversa fora
o lixo está cheio de palavras
que poderiam ser recicladas
em frases úteis e reaproveitáveis
quem sabe resolvendo a crise crônica
ou fazendo a crônica honesta da corrupção.

Este desperdício de palavras
nos bares, jornais e televisão
inflaciona o preço de custo das letras
gerando dificuldades sociais para a alfabetização
tornando privilégio de poucos
aquelas palavras por todos mais almejadas
como carinho, lar e nutrição
como ensino, oportunidades e realização
É preciso dar um  jeitinho nacional
nesta mania de jogar conversa fora!
(K/1993)

PIXAÇÃO

Botei meu bornal pra colagem
minhas botas pra chuva
e o meu boné pra sereno
                    Saí pra noite infinita
                   acender candeeiros
                   nos becos escuros
                                Estendo a minha mão aflita
                                quem a toca se acende
                                e incendeia seus muros
                                            Botaram minha viola no saco
                                           quando vi que o medo
                                           era maior que o amor lá
                                           e a liberdade não seria pra tão cedo
                                           Esvaziada a praça das Diretas Já!
 Guardei minha manta pra vento
minhas sobras de tinta
e todo o meu rancor...

(QO/1984)

ASSEMBLÉIA GERAL


Levante o braço
Quem é a favor
Da realidade nua e crua
Tal e qual ela é...
Ninguém?
Nem eu.
E quem é contra?...
Todos, sem abstenções?...
Eu também.
Mas protestar pra quem?!

(M/2012)

PESSOA ÍNTIMA


Que Pessoa é esta na minha cama
Que fala do amor e de Deus
E sobre a vida e a morte dos meus “eus”?
      Que Pessoa é esta na minha cama
      Que sopra por meus olhos uma voz
      Que é um açoite de palavras cortantes
      Que penetra na calma inquieta da solidão escura
      Do alto mar da minha alma lusitana?
             Que Pessoa é esta na minha cama
             Que canta na minha língua
             Coisas minhas que nem eu sabia
             Que as tinha em chamas no meu íntimo
             E, muito menos, que eram cantáveis
             E não apenas caladamente sonháveis?
                     Que Pessoa é esta na minha cama
                     Que finge tão completamente ser sua
                     Uma dor minha que deveras sente?
                                                           (E/2008)

O Jardim Suspenso da Ipiranga


Alguma coisa acontece no coração da natureza
Quando ela cruza a Ipiranga com a Av. João Pessoa
Por baixo o riacho fétido de esgoto bruto e pluvial
Por cima a ponte suspendendo em seus canteiros de concreto
As oito palmeiras suspensas da minha Babilônia
(Putz, agora só restam apenas sete palmeiras!)
Exibindo o fruto instável do desequilíbrio ecológico
Pra quem tiver olhos e coração para ver o milagre
Das garças brancas atravessando como nuvens solitárias
Por entre o jardim suspenso das palmeiras californianas
No cruzamento destas duas avenidas de Porto Alegre
Indiferentes à indiferença antiecológica dos portoalegrenses
Com suas descargas poluentes de esgoto, gasolina e óleo diesel.
                                                                      (I/2004)