VARA DE CONDÃO















Com a varinha de condão que você me deu
ganhei o dom da definição
semeando saí pelo mundo
pra grande colheita de solução
Defini que no oceano das minhas mágoas
só os peixes podem nadar
os seixos devem decantar...
E vir o escuro de baixo pra cima
e a luz vencendo de cima pra baixo
         Mas a varinha de condão que você me deu
         é santo que em casa não atua
         não define se a mão que a deu
         vai mergulhar ou se flutua...
         E vir o escuro de fora pra dentro
         e a luz vencendo de dentro pra fora
         Quem tem vara de condão com este dom?...
(K/1986)

ENIGMAS

Sem nunca ter saído para a vida
Fiquei olhando pela vidraça
Sem ter provado o louco veneno
De quem rasga seu caminho na raça
Fiquei sendo feito de contemplações
Passivo no universo de minhas canções
Medito o Enigma e suas razões
Sem nunca ter saído para a vida.
          Nos lugares por onde andei
          nem saudades lá deixei
          Foi sempre a mesma sensação
         de um vazio esperançoso
         Foi sempre a mesma inquietação
         de um ímpeto preguiçoso.
                  Morrendo um pouco a cada dia
                  sem resolver os meus enigmas
                  vou desperdiçando a travessia
                  sem resolver os meus enigmas
                  vou ruminando a vã poesia
                  sem resolver os meus enigmas.
                          Estão branqueando os meus cabelos
                          o tempo em mim já deixou marcas
                          no entanto reflito o mesmo no espelho:
                          não vivi, não cresci, só sofri marcas.
                                  Fico surpreso ao me surpreender surpreso
                                  frente ao eremita que trago preso
                                  nas cavernas do inconsciente e aceso
                                  por esta chama que é uma chaga que não se apaga
                                  por este enigma sem Teorema pra decifrar
                                  É como um vampiro que na cidade vaga
                                  que embora sedento de vida, não quer se revelar.

(FE/1981)

O CALDEIRÃO DA BRUXA

O cérebro é um permanente caldeirão
Fervilhando pensamentos inconscientes
Que emergem aleatoriamente na consciência
Como um sopão de palavras e frases alucinadas
Na mente, coitada, que almeja a lucidez das fadas.

(M/2012)

O ELO DO ÉDEN PERDIDO

E pensar que eu próprio
Que hoje vivo desta forma aburguesada
Quando guri, nadava só no rio Guaíba
Andava descalço nos matos
E nos morros cobertos de geada
Vivia como índio, em orfanatos
Bebendo, no chão, água de vertente
Sonhando em crescer para virar gente...
              E pensar que eu era um filhote
              de animal com instinto humano
              Naturalmente feliz no existir cotidiano
              sem pensar em nada sobre a existência
              Existindo sem pensar que existia...
                                                                                                              (E/2008)

Saudável Saudade

Como inserir o elemento saudade
no cotidiano da vida da gente?
Como ficar longe de quem se gosta
quando se está gostando de ficar junto?
Não sabemos que de tanto ficar junto
o ficar junto deixa de ficar bom?
Então, como deixar de ficar junto
antes que o estar junto exija a separação?
Como deixar que a saudade
de não se estar junto promova a junção?
Como equilibrar esta balança
 num balanço equilibradamente instável?
Como fazer uma dinâmica  união
em que a saudade seja saudável?
                                                                             (I/2001)