COTIDIANO II



Acabou-se o dia
A noite está vazia
O cinzeiro está cheio
Apagarei a luz
Despejarei o cinzeiro
Para amanhã tornar
Acender e lotar
Mas por hoje basta
Preciso descansar bastante
Para o cansaço de amanhã
Preciso acreditar que o horizonte
Não é mera ilusão de ótica
E que meus dentes durarão
Enquanto eu precisar deles
Enfim, preciso escovar... a memória
E sem perda de tempo dormir.
G/1973

Pregão Idealista

                                       Já estou em idade de fazer pregação
                                  De o que fazer e o rumo a seguir em frente:
                           A luta de resistência é com reveses e permanente.

                                                                            H/2016

O GRANDE E O PEQUENO SONHO



Confesso que tenho chorado
Toda vez que volto ao canto operário
As Uvas e o Vento” do Neruda
Livro de poemas panfletários
Em que o poeta glorifica com arte
O Partido Comunista, Mao e Stálin
Menos pela beleza das metáforas dos versos
E mais pela grandeza do sonho socialista perverso
Que inspirou uma geração de artistas consagrados
Do arquiteto Niemayer ao escritor Jorge Amado
Na crença que iam resolver as dores do mundo.

Choro por perceber a mesquinhez do meu sonho
E da minha decepção com o Partido dos Trabalhadores
E por eu ser interesseiro, apenas pelo povo brasileiro.
Grandes sonhos universais: decepções colossais!
                               O/2012

MINHA MÃE, MINHA MESTRA

Devo tentar compor um poema emotivo
Comemorativo  aos 85 anos da Dona Ciça?
Sei que me falta arte e intensidade poética
Para cantar a magia de uma vida tão energética
Especialmente quando esta pessoa é a mãe da gente.

Mas, enfim, já que comecei, vamos em frente.

Tenho pra mim que poema
É feito do que se vive
E que no viver do dia-a-dia
É que deve ser captado a poesia:
A essência da existência.

Esta tem sido a minha postura
Que não é de agora, diante desta Senhora:
Usufruir como néctar a bênção da convivência
Captando de cada momento a doçura
Em meio às asperezas das praticidades diárias
Em que buscamos, cada um por si, garantir a sobrevivência
Muitas vezes em condições bem precárias
Mas sempre sem perder a ternura por muito tempo como ressentido
Pois é no meio familiar que se aprende a paciência de perdoar
Devido à imposição de um conviver desmedido.

Busco compartilhar com Ela o tempo que escoa, não apenas como um filho
Que reconhece a imensidão da trajetória desta alma simples e vasta
Que construiu seu saber como um rio, erodindo o caminho que a arrasta
Da vida camponesa para povoar um mundo tecnológico em um novo milênio
Mais como um discípulo atento que observa cada instante como um prêmio
Um ensinamento não explicitado da arte de viver, curtido pela terceira idade
Feito um testamento para ser herdado como um legado sem materialidade
Para ser guardado como um tesouro raro no coração e na mentalidade.

Nos “oitentas”, como se diz, está-se no lucro!
Vivendo, como poucos,  os dividendos do tempo da vida
Onde cada momento é denso de significados e recordações
Mas Dona Ciça, sempre cheia de tarefas e planos por fazer
Vive o presente, criando com agulhas e linhas  a sua arte de invenções
Produzindo com as próprias mãos novos objetos no mundo e com prazer
A quem imito, produzindo artesanalmente escritos em versos e prosas
Pensando ter herdado o segredo do bom e sereno envelhecer
Que é manter o corpo e a mente criativamente ocupados de afetos.

Tomara que eu chegue lá com tamanha lucidez e energia de viver
E com alegria para merecer igual admiração de meus filhos e netos.

Valeu Dona Ciça, minha mãe e minha mestra!
                                                                                     E/2009

ARMISTÍCIO

Um chopp gelado foi a gota que faltava
para que um conflito bélico fosse anunciado
algo como uma terceira guerra mundial
que, felizmente,  submergiu nas praias das nossas costas
(onde tantas outras crises, como minas, jazem desativadas)
com seus possíveis arsenais de armas químicas e nucleares
contidas em explosivos  barris renunciados de cerveja.

É mais uma vitória, aparentemente, da nossa diplomacia conjugal.

                                                                                                          I/2004

Drama

Juro que nem acreditei
eu fiquei mudo e duvidei
depois senti o corpo gelar
senti-me múmia do passado
e o presente mais que perfeito
cedeu ao futurismo obcecado:
seu repentino adeus cravou-se em meu peito
matando nosso louco amor apunhalado.

                                                       K/1995

Noite

                                Quando teu olhos
                                mergulharem na noite
                                tanta luz resplandecerá
                                que ninguém dirá
                                que é noite em teu olhar
                               Quando em tua volta
                               for tudo silêncio
                               tantos sons musicar-se-ão
                               que todos dirão
                               que há festa em tua audição
                              Quando tuas ideias
                              descansarem no vazio
                              tanta criação florescerá
                              que ninguém dirá
                              que há inércia em teu pensar.
                                          S/1980

Esquerda Volver

           Empunhei bandeira vermelha sublime
       Em carreatas, panfletagens e comícios
       Hoje, desiludido, bandeira nem do time.
                                                                                                            H/2016