VIRAÇÃO















Quando vou virar a mesa?
Toda  noite me pergunto
e não encontro solução.
Quando vou virar as costas
pra quem gosta de explorar
meu pobre e tolo coração?
Quando vou virar humano
e deixar de ser bonzinho
de assumir sempre sozinho
tudo como obrigação?
Quando vou virar em mesmo
e deixar de me doar
deixar de viver a esmo
ser aquilo que sonhar
ser eu?...
Quando vou virar em mim?
Ser eu?!...

(FE/1981)

O MITO DA CAVERNA



Não sou eu que penso
Meus pensamentos efervescentes
É que me pensam, são o vilão
E me cansam de tentar escapar
Somos ficções de nossas mentes
Cativos na caverna de Platão
No mundo criado pelo nosso olhar.
(M/2012)

O BROTO DA MAÇÃ MORDIDA

A maçã verde que Adão mordeu com prazer
Levou milênios encruada para amadurecer
Até cair de madura na cabeça do Newton
(Que a levitação dos astros com ela entendeu)
Para só depois de vários séculos reflorescer
Gravando em vinil as canções dos Beatles
(Que despertaram na juventude a poesia de viver)
E após décadas frutificar, como um virtual prêmio
No paraíso digital das gerações do terceiro milênio
Em lap-tops e iPhones com a logomarca da Apple mordida
Frutos sensíveis ao toque humano na busca da esperança perdida
E que ostentam nos ramos virtuais da tela da web o saber do gênio
De um oráculo onipresente, um Google brotado da fruta apodrecida
Que inaugura o novíssimo testamento bíblico, filosófico e poético da vida.
                                    (E/2008)

CINQUENTENÁRIO


Não sou poeta o suficiente
pra dizer que chego aos cinqüenta
com os problemas sequer colocados
Mas de resolvido mesmo
só tenho  esta consciência realística
a caro custo adquirida
de que sou do tamanho que sou
que posso sempre crescer, mas não muito
e, principalmente, que este é um bom tamanho
que me realiza, não todo, mas o bastante
pois permite o meu movimento moto-contínuo
de sempre perseguir novos e maiores prazeres
de sempre retirar das pequenas  alegrias a energia
para sempre ter a energia de construir no dia-a-dia
possibilidades embriãs de momentos felizes
nem sempre realizados, mas sempre possíveis
E assim manter sempre o encantamento pela existência...
                 Mas pelo pouco de poeta que tenho
                 aproveito para, pelo menos, colocar o problema
                de que eu não tinha muitas pessoas a quem convidar
                para a festa do meu cinqüentenário.
               No fundo continuei sendo a mesma alma solitária,
               agora com meio século de consciência desta realidade...
                                  But, in the after day,
                                  no primeiro dia do resto da minha vida,
                                 ultrapassada a muralha que divide a existência
                                 em duas metades geralmente desiguais
                                 a visibilidade da finitude do horizonte cinqüentão
                                 tornou-se estarrecedoramente convincente:
                                Haja filosofia para iluminar a chama de vida
                                No túnel do seu derradeiro sopro!
                                                                                     (I/2004)