PAGANISMO

Conforme a filosofia pré-socrática
De vários séculos antes de Cristo
Tudo está em movimento
Nada é, dizia Heráclito
Tudo está em permanente processo
De vir a ser
Eu, você, a natureza e o universo
Somos simultâneas fases heterogêneas
Do fluxo da existência
Que toma consciência de que está vindo a ser
(sabe-se lá o quê e quais são os nossos desígnios)
E nos percebemos como o espírito do fenômeno todo
Como parte do todo, do material e do imaterial
Como parte do uno...de Deus?
Mas como é cristã esta filosofia pagã!
(Ou será o contrário?!?)

                                                                       (I/2005)

ALMÁRIO SECRETO



Não quero parecer paranóico
Mas esta truculenta repressão
Aos protestos dos estudantes
Como mera molecagem e baderna
Contra o aumento das passagens
E às obras com derrubadas de árvores
Faz a gente pensar na arrogância
Dos militares auto-anistiados na caserna
Por seus crimes contra a humanidade
E que continuam ensinando como verdade
Que foi uma revolução o golpe de estado
E que se orgulham de seus almários secretos
Com as almas ainda prisioneiras 
                                        dos desaparecidos.

Não quero ser paranóico...nem foragido
Mas imaginem se as tropas com botinas voltam
Arrombando nossas portas e gavetas íntimas
E encontram nossas vidas de bandeja no Facebook
Como confissões espontâneas da  nossa subversão?...
Não quero, mas a paranóia de ser mais um no almário
Cresceu com a notícia que a CIA grava a nossa comunicação.

(M/2013)

Cidade-penal

Nada dói mais que uma ponte-móvel
como a do estuário do Guaíba
limitando o calado de acesso
entre a língua e o céu da boca
no canal entre serras dentárias
por onde a cidade nos engole
com nossos medos, versos e sonhos
feito um luminoso buraco-negro
cujo ânus nos defecará digeridos
                                                      por indulto, em nosso cemitério preferido.

(P/1996)

ARROIO DILÚVIO

Quem não viu uma garça branca
no riacho da Ipiranga
não acredita que a vida
possa ser sabor pitanga.
O vôo urbano da garça branca
mantém a mesma beleza plástica
e tem maior simbolismo libertário.
É feito um sabor de pitanga enlatada
com aromatizantes e conservantes
                                                         preservado no fundo do armário.
(K/1993)