A MORTE DO SOL















Como é triste a morte da flor
dos homens e das aves
A morte dos inferiores é lúgubre
Quem me dera ter a morte do sol!
Percorrer resignado o meu caminho
até a máxima elevação a pino
e quando começar o descer triunfal
espelhar-me em um rio calmo
ver-me no fundo, no rio...
Depois, próximo da linha final
explodir e fazer-me colorido
tingir o rio e o céu com minhas entranhas
perder-me em minhas cores
para que quando as pessoas
ao verem-me morrer se maravilhem
e quando pensarem que estou morrendo
perdido em minhas cores
perdendo a minha luz...
que a luz que vêem seja de minhas cores
e que eu já esteja morto
nascendo no novo dia...

(FE/1975)

ABDUZIDOS

O unicórnio azul todo mundo sabe
É pena, mas não existe de fato
E assim, com palavras concretas
Descrevemos o abstrato imaginário
Tanto, que lá pelas tantas, nos perdemos
Misturando nossas ilusões com a realidade
Em credos rivais e partidos de crentes
Em raças e civilizações concorrentes
Até, por fim, sermos abduzidos.

(M/2012)

VOYEUR DO OLHO MÁGICO


Pelo olho mágico da minha porta
Vejo outras portas no corredor
E os olhos destas outras tantas portas
Vêem o meu olho observador
O espaço de visão das nossas portas
É o condomínio de expiação da solidão.

(E/2008)

O Jardim Suspenso da Ipiranga


Alguma coisa acontece no coração da natureza
Quando ela cruza a Ipiranga com a Av. João Pessoa
Por baixo o riacho fétido de esgoto bruto e pluvial
Por cima a ponte suspendendo em seus canteiros de concreto
As oito palmeiras suspensas da minha Babilônia
Exibindo o fruto instável do desequilíbrio ecológico
Pra quem tiver olhos e coração para ver o milagre
Das garças brancas atravessando como nuvens solitárias
Por entre o jardim suspenso das palmeiras californianas
No cruzamento destas duas avenidas de Porto Alegre
Indiferentes à indiferença antiecológica dos portoalegrenses
Com suas descargas poluentes de esgoto, gasolina e óleo diesel.
(I/2004)

PAISAGEM



É a mais linda estampa
sua cabeleira vermelha
brilhando no sol
no verde do mar
e seus grandes olhos negros
quando iluminam o sorriso
vindo do fundo da alma
pra seus lábios beijar.

(P/1996)

PERDAS, DANOS & GANHOS

No inventário de cada fase da vida
(Quantas fases ainda terei que inventariar? )
remexemos no baú de todas as feridas
e, na dor do luto, uma a uma fazemos sangrar
buscando na partilha dos bens a culpa dos males
computando nas perdas nossos desenganos
e as mágoas, cujos danos, por muitos anos vamos chorar.

Na morte litigiosa do amor, o balanço é de falência
como em toda morte, o sentimento é de perda
de investimento afetivo a fundo perdido
de desfalque nas economias de nossas carências
inflacionado com o estigma social do fracasso
e sua queda de poder doativo, orgulho ferido
fragilizado, tem o cansaço, status de desiludido.


                   Mas também na Bolsa da Vida, nossas ações
                   após a concordata do período de baixa
                   passam por um saneamento e sobem de cotação
                   no pregão da ciranda filosófica das emoções
                   restituindo lucidez pra auditoria da razão.

                   A sociedade de um casal, produtivo e sentimental
                  deixa saldos, além das perdas e danos
                  crescimento no mútuo conhecimento, respeito, amizade
                  e o crédito de ter havido no passado alguma felicidade
                 e, sobretudo, o lucro de ter-se construído
                 o patrimônio de uma nova vida numa criança
                 e de ter havido capital afetivo suficiente
                 para assumir tamanha dívida de longo prazo:
                 Fiança pro Recomeçar, poupança pro  Começar de Novo!
                            (K/1993)

Mistério Profundo

No meu violão
    há um mistério profundo
      de psicótica neurose
         de nem Freud explicar
            quando estou triste
                ele chora tão fundo
                   faz nos seus sons
                      a minha mágoa escoar
                         quando estou vivo
                             ele berra tão alto
                                 que no Planalto
                                     todos faz acordar
                                       quando estou  morto
                                          ele reza tão feio
                                            que não há burguês anseio
                                              que não queira arrasar.

No meu violão
  há um mistério profundo
    de poética mensagem
      para o povo cantar
        quando solta a voz
          ele é tão filho do mundo
           que qualquer fronteira
             o afronta a lutar
               quando estou livre
                 ele canta tão belo
                  que no castelo
                    todos faz assombrar
                     quando estou preso
                       ele ruge tão bravo
                         que não há escravo
                           que não queira se libertar.

(QE/1980)

CONDOR DA VELHICITE

No limiar do portal dos sexagenários
A dificuldade maior é conviver com a dor
Não mais a do peso do mundo nos ombros
(Que é, conforme o Drummond, uma mão de criança)
E sim suportar a dor crônica da velhice
Às vésperas dos medicamentos de uso contínuo
(Para bursites, tendinites, artrites e outras “velhicites”)
Que marca o início do definitivo vôo do condor
Do alto da imponente cordilheira Ígnea e metamórfica
Para o raso da planície sedimentar da decrepitude.

(M/2012)

Caminhando desde 1968




Eu hoje fui às lágrimas até
Ouvindo Geraldo Vandré
Explicando: Gente, a vida
Não se resume em festivais!
Como quem diz: As “marmeladas”
Estão ancouradas em todos os cais...



Foi um momento de poética catarse coletiva
Catarse ocorrida no puro estilo popular, em coro
(Como uma antiga tragédia grega encenada)
Com a massa gritando enfurecida: É marmelada!!!
E o grito se propagando feito flechas pelos ares
Via rádio e TV em P&B ecoando pelos lares...
(Seguindo a poesia da canção, não cartilhas de subversão).

Calados, Vandré e nós, o coro da canção
Que caminhamos várias utopias desde então
Chegamos até aqui esperando acontecer sem crer
E eis que chego à conclusão desta longa caminhada:
Gente, a vida é uma grande marmelada!

                                               (E/2008)

RAP DO CORTE TATUADO



Tá assim d mano
Q vive d sacanagem
Q pensa q é malandragem
Este viver encurralado 
       Tá assim d mano
       Q vive d malandragem
       Q pensa q é sacanagem
       Este viver assalariado
             Tá assim d mano
             Q vive d molecagem
             Q pensa q é tatuagem
             O corte cicatrizado
                       Tá assim d mano
                       Q vive de bandidagem
                       Q pensa q é vadiagem
                       A vida do apenado
                                Tá assim d mano
                                Q vive só d miragem
                                Q pensa q é ter coragem
                                Ser do crime organizado
                                        Tá assim d mano
                                        Q não sabe nada
                                        Tá assim de mano
                                        Q é sabichão
                                               Tá assim d mano
                                               Doido nas paradas
                                               Tá assim d mano
                                               Na contravenção
                                                      Tá assim d mano
                                                      Sem rap, sem nada
                                                      Tá assim d mano
                                                      Sem orientação.
(I/2003)

Poetar II (psicose)

Noite de insônia
em que nasce um poema
é duplamente perdida
pela ânsia da noite não dormida
e pelo fardo do poema inútil
que carregamos o resto da vida

O pior da insônia, o que mais chateia
é o medo de ver as coisas que a noite esconde
como almas do outro mundo nas sombras
ou de ver pela janela, sob a lua cheia
o vizinho enterrando um cadáver no quintal.

(P/1996)

CÃES QUE LADRAM


                                         Um debate político
                                         É como uma briga de cães
                                         Ferozes pelo osso do poder
                                        Osso que daria uma boa sopa
                                        Para todos os animais da floresta
                                        Se não fossem os cães famintos
                                        De poder para ladrar, os cães ladrões.

                                                                                                  (M/2012)

VARA DE CONDÃO















Com a varinha de condão que você me deu
ganhei o dom da definição
semeando saí pelo mundo
pra grande colheita de solução
Defini que no oceano das minhas mágoas
só os peixes podem nadar
os seixos devem decantar...
E vir o escuro de baixo pra cima
e a luz vencendo de cima pra baixo
         Mas a varinha de condão que você me deu
         é santo que em casa não atua
         não define se a mão que a deu
         vai mergulhar ou se flutua...
         E vir o escuro de fora pra dentro
         e a luz vencendo de dentro pra fora
         Quem tem vara de condão com este dom?...
(K/1986)

ENIGMAS

Sem nunca ter saído para a vida
Fiquei olhando pela vidraça
Sem ter provado o louco veneno
De quem rasga seu caminho na raça
Fiquei sendo feito de contemplações
Passivo no universo de minhas canções
Medito o Enigma e suas razões
Sem nunca ter saído para a vida.
          Nos lugares por onde andei
          nem saudades lá deixei
          Foi sempre a mesma sensação
         de um vazio esperançoso
         Foi sempre a mesma inquietação
         de um ímpeto preguiçoso.
                  Morrendo um pouco a cada dia
                  sem resolver os meus enigmas
                  vou desperdiçando a travessia
                  sem resolver os meus enigmas
                  vou ruminando a vã poesia
                  sem resolver os meus enigmas.
                          Estão branqueando os meus cabelos
                          o tempo em mim já deixou marcas
                          no entanto reflito o mesmo no espelho:
                          não vivi, não cresci, só sofri marcas.
                                  Fico surpreso ao me surpreender surpreso
                                  frente ao eremita que trago preso
                                  nas cavernas do inconsciente e aceso
                                  por esta chama que é uma chaga que não se apaga
                                  por este enigma sem Teorema pra decifrar
                                  É como um vampiro que na cidade vaga
                                  que embora sedento de vida, não quer se revelar.

(FE/1981)

O CALDEIRÃO DA BRUXA

O cérebro é um permanente caldeirão
Fervilhando pensamentos inconscientes
Que emergem aleatoriamente na consciência
Como um sopão de palavras e frases alucinadas
Na mente, coitada, que almeja a lucidez das fadas.

(M/2012)

O ELO DO ÉDEN PERDIDO

E pensar que eu próprio
Que hoje vivo desta forma aburguesada
Quando guri, nadava só no rio Guaíba
Andava descalço nos matos
E nos morros cobertos de geada
Vivia como índio, em orfanatos
Bebendo, no chão, água de vertente
Sonhando em crescer para virar gente...
              E pensar que eu era um filhote
              de animal com instinto humano
              Naturalmente feliz no existir cotidiano
              sem pensar em nada sobre a existência
              Existindo sem pensar que existia...
                                                                                                              (E/2008)

Saudável Saudade

Como inserir o elemento saudade
no cotidiano da vida da gente?
Como ficar longe de quem se gosta
quando se está gostando de ficar junto?
Não sabemos que de tanto ficar junto
o ficar junto deixa de ficar bom?
Então, como deixar de ficar junto
antes que o estar junto exija a separação?
Como deixar que a saudade
de não se estar junto promova a junção?
Como equilibrar esta balança
 num balanço equilibradamente instável?
Como fazer uma dinâmica  união
em que a saudade seja saudável?
                                                                             (I/2001)

Poetar II















Noite de insônia
em que nasce um poema
é duplamente perdida
pela ânsia da noite não dormida
e pelo fardo do poema inútil
que carregamos o resto da vida

O pior da insônia, o que mais chateia
é o medo de ver as coisas que a noite esconde
como almas do outro mundo paranormal
ou a psicose de ver pela janela, sob a lua cheia
o vizinho enterrando um cadáver no quintal.
(P/1996)

FACES DA LUA

Lá no escuro da noite escura
onde o passado arquivou todos os dias
surgiu no céu um brilho de luz distante
a Lua Nova me fez criança de alegria
        A luz da Lua Crescente foi crescendo
        com a esperança e eu próprio que crescia
        fui descobrindo seus verdes segredos
        e alimentando a paixão que nos unia
                 E quando a Lua de luz se fez Cheia
                da minha cama eu avistava o novo mundo
                adolescente que por vida anseia
                senti-me forte, lindo e fecundo
                            Porém a luz da Lua foi Minguando
                            no mundo velho que ao novo resistia
                            e a razão, já adulta, foi pensando
                            e me perdendo da luz que me movia...
(K/1986)

O ÚLTIMO DO PÓDIO

Nadador de ouro em Pequim
Cielo decepciona em Londres
A torcida do povo brasileiro
Por ser apenas o terceiro
mais rápido do mundo inteiro
El pódio es el cielo del pueblo
E o Cielo  é o último no céu...
Que inferno, queremos ser Deus!
(M/2012)

A ILHA


(Poema que fiz aos 16 anos à ilha das fantasias de minha adolescência, a qual deixou de existir com o aterro da orla do Gasômetro no Guaíba)














Entre o encanto da natureza
E as calmas e plácidas  águas de um rio
Semi levado pela correnteza
Num terno recanto sombrio
Por sobre as vagas
Do rio escuro
Com um vago olhar
Deixo morrer as mágoas
Do meu eu tão inseguro
Que vê o mundo por estourar
Quisera poder aqui passar
O resto dos meus dias
Desbravar a virgem selva
De tudo e  de todos esquecer
Alimentar-me de  pescarias
Dormir ao relento e na relva
Apreciar o sol a se esconder
Deixar o mundo sempre distante
Poder gritar, rir e chorar
Ver sempre este lindo horizonte
Que reflete neste pequeno mar
Mas...adeus Ilha de meus sonhos
Nunca mais me verás voltar.
(G-1970)