MULTIDÃO

Multidão, de onde vens disparada?
Que tragédia ocorreu-te além na estrada?
Que mistério neste humano formigueiro
que pisoteia um no outro sem sentir
cheios de crenças, deuses, padroeiros
cheios de vida sem usufruir
Multidão, onde vais neste atropelo?
Que sina a tua vagar com sinuelo?
Que medo é este de se desgarrar?
Que fuga é esta de se assumir?
Cheios de sonhos sem os realizar
cheios de afetos sem os transmitir
Multidão, quem sou eu?
Quem é você, Multidão?
Multidão somos nós
somos sós...
Somos só multidão!

QO/1980

O VÍCIO DE PENSAR

É preciso prestar atenção
Mais no que sem pensar se pensa
Do que no que se fala ou faz
Posto que se pensa o tempo todo
Muito mais do que se faz e fala
Pois, pensando bem, o vago pensar
É um entretenimento pra vida passar
Incólume, sem nela fundo se meditar
Pensar é viciante como a TV e o crack
E têm o mesmo efeito colateral
É preciso acabar com o vício de pensar!

                                                                           O/2012

CORRIDA MALUCA

Na imensidão desordenada do inconsciente
Remamos apertados no caiaque do ego
Guiados pela bússola desorientada do superego
Numa corrida mental em busca de nós mesmos
E contra o tempo do prazo de validade da vida
Onde todos, fascinados, somos “Kids Vigaristas”
Trapaceando atalhos e desvios para algum paraíso
Em belas ilhas de afrodisíacos prazeres fáceis
Pra não ver no horizonte a bandeira de chegada.

                                                        E/2008

Amargo Rio Doce, Minas vai ao mar

A Vale do Rio Doce matou o rio
De Mariana em Minas com um lodaçal
Fez um vale de lama e morte até o litoral.

                                                                   H/2015

Dúvida Filosófica

Minha poética é espiritualista
E a minha prosa é materialista
Penso que sou um existencialista
Um falso racionalista empirista
Mas, porém, tenho sérias dúvidas.
                                               I/2004

Venenoso

Sou filho da montanha
do ventre da aranha
e serpentes do mar
Vou no rumo que mais quero
vou sendo sincero
e venenoso no amar
Por isto sai do meu caminho
foge depressa
do encanto dos meus carinhos
pois vou seguir tentando
te seduzir, te possuir
te envenenando
e vou te aprisionar
na minha teia
no teu corpo me enroscando
vou por fim cegar
com meu veneno
tua visão do amar.           

P/1996

BALEREIA

Sereia, sereia ô, sereia
sereia não vire baleia
ô sereia ô!
Eu já caí em tantos cantos, sereia
e sei que sempre encalha na areia
e não...nada mais
Sereia, sereia ô, sereia
sereia não vire baleia
ô sereia ô!
No arrastão já trouxe a rede cheia
mas na praia chego sozinho, sereia
e volto pro (a)mar...

Sereia, sereia ô, sereia
sereia não vire baleia:
Balereia!...

K/1993

NADA SEI

Eu disse pra ela
Que ela não sabe nada da vida
Ela ficou indignada
E quis provar que sabe mais
E foi-se embora
Em noite de inverno brabo
Saiu abanando o rabo
De tão braba que ficou
E foi num dia
Quando eu menos esperava
Ela voltou apavorada
Com o mundo que encontrou
E disse pra mim
Que eu não sei de nada da vida
Eu fiquei indignado
E quis provar que sei bem mais
E fui-me embora
                                                   Em noite de verão brabo
                                                   Sai bufando feito um diabo
                                                   De tão brabo que fiquei
                                                   E foi num dia
                                                  Quando ela menos esperava
                                                  Eu voltei ela não estava
                                                  Que percebi que nada sei
                                                  Não sei de nada da vida
                                                  Percebi que nada sei...

FE/1981

O FOGO DA FOME



A fome é fogo
É feita uma tocha
Ardendo na barriga
Flambando a esperança
Incinerando a paciência
Incendiando a vingança
E fervendo a violência.


O/2012

IMPERMANÊNCIAS

Tudo é impermanente
Mais as horas que o relógio
Mais o gesto que a mão
Mais o eu que a imagem
Mais o corpo que o nome
Mais a vida que a alma
Alma?
Tudo é impermanente
Mais a certeza que a dúvida
Mais o desistir que o querer
Mais a desgraça que a esperança
Mais a fome que a miséria
Mais a guerra que a paz
Paz?
Tudo é impermanente
Mais a segurança que o medo
Mais a paixão que o amor
Mais a compaixão que a indiferença
Mais a água que a terra 
Mais o planeta que o Cosmos
Mais o universo que Deus
Deus?
Tudo é impermanente.
                                                                                                                                                                                                    E/2008

Umbigocentrismo


Sou solitário mas não um ermitão
necessito de apenas uma pessoa em minha ilha
Que seja mulher, mas não uma qualquer
tem que ser uma especial: amante, mãe e filha
uma pessoa completa para substituir todas as outras
Ela tem que ter bom humor, boas pernas e pouca barriga
e muita criatividade para manipular estes ingredientes
Por ela tem que florir poemas em todas as estações
Com ela o nós tem que ser um universo autossuficiente.

                                                                       I/1999

Aptidões


Invejo  a objetividade do leão

que sai a campo para caçar fêmeas

seguro de sua nata competência

Mas sou dotado da manha da aranha

que por não ser forte nem de boa aparência

tece ardilosa teia como uma rede

pra deter a presa e ter tempo de mostrar

os lindos olhos azuis de sua vida interior.

                                                                   P/1996

Haicai Politicamente Xucro

A Política está abaixo do cu do cachorro
E nunca esteve acima das guampas do touro
No máximo, na altura das bolas do porco.

H/2015

A Bolha da Paixão

A bolha da paixão
transmite toda a leveza
envolvendo com névoa de magia
todos os  atos, gestos e fatos
A bolha da paixão
de película insustentavelmente frágil
resiste às rajadas quentes da realidade,
aos limites impostos de tempo e espaço
e à clandestinidade dos prazeres proibidos
                        Fora da bolha da paixão
                        somos meros humanos, descendentes dos répteis
                        somos dinossauros em infinita evolução do magma
                        somos predadores de reprodução sexuada
                        somos uma massa gravitacional no nada
Mas a bolha da paixão
como a vida, sabidamente não é perene
e tem o amor, como a vida tem a morte
a questionar suas virtudes e belezas,
até implodir com a bolha da paixão
na vã ilusão de transformá-la, necessariamente
na imaginária cápsula do amor serenamente eterno.

                                              K/1993

AS ORÍGENS

Quantas saudades
Que me separam
Dos campos verdes
Do meu rincão
Mas no meu peito
A lua cheia
Ainda alumia
Meu coração
Tem nos meus versos
Ainda o embalo
Da prenda linda
A sapatear...
A minha andança
Mantém o galope
Do pingo velho
A cavalgar...
E nas minhas noites
Relembro causos
De valentia e assombrações
E nos meus sonhos
O clima é o mesmo
Dos descampados
E das trovações.

G/1975

COTIDIANO III
















O dia some como a  noite
como o sono, como um grito
como a fome.
O dia passa como o avião
o cão e o ladrão
como a ilusão.
O dia é breve como a guerra
como a liberdade e o lazer
como o prazer.
O dia é vazio como a terra
como a natureza, como o escritório
como a vida.

FE/1975

Delação Premiada de Lobo Lavajato

A galinha dos ovos de ouro foi pega em flagrante
Desviando ovos para eleger os donos do galinheiro
Com a grana das raposas que corrompem o país inteiro.

Haicai/2015

GARGANTA PROFUNDA

A lua minguava suspensa
Como uma fruta brilhante
Mordida por dentes de diamante
No céu da boca estrelada da noite.

                                                                                                        M/2013

JUVENTUDES EXTRAVIADAS
















A pacata solidão juvenil do meu filho
Eu sofria com ele, por ele e mais do que ele
Nela revivia a solidão da minha juventude
Sem namoradas, sem beijos e sem sexo
E sei que esta carência prolongada
Provoca áridos bloqueios afetivos no peito
Por não ter sido regado pelo sereno do amor

Do solitário peito de emoções enclausuradas
Não saem as palavras e gestos espontâneos
Que possam semear conquistas amorosas
Passivos, torcemos pelas forças do destino
Para que haja uma conspiração cósmica
Que nos realize o encontro com a bem amada
Como diz Neruda: “Que solidão errante até tua companhia!”
Aquela que fará fluir nossa afetividade represada.
PV/2012


Quarta-feira de cinzas

Assumindo sua fantasia de velho gagá
No bloco de rua bebeu todas e dançou
As mesmas marchinhas que seu avô cantou.

16/fev/2015

Brejo

Estive com o pé no barro

Quase que me atolei no além

Se a corda da minha vida

Não é tão forte e comprida

Fico no brejo das almas também.


                                                                                    E/2008

Sapato Folgado

Hoje eu sinto que a alma
(O espírito que vive dentro de mim)
Está mais confortável
Se sente menos comprimida
Parece habitar uma casa mais espaçosa
Não só pelo aumento de volume corpóreo
Está como que num sapato que foi apertado
Mas que com o tempo deu de si e ficou folgado
Se moldando corpo e alma, mente e etéreo.

                                                                                  I/2005

A Mulher do Poeta


Estás com a cabeça nas nuvens?

Aterrissa, sacode as estrelas

Deste pano de prato e vem

Secar as montanhas de louças

Que lavei na cachoeira da pia!

                                                  PV/2012